21/08/2007

o encanto

Vinha uma garoa comum pra aquela época, mas ela nem percebeu. Já tinha tudo na mente desde a hora que recebera o recado no dia anterior. Ia usar sem receio aquele vestido reservado para uma ocasião assim, era rosa claro e a saia capaz de se movimentar mesmo num dia sem vento. Correu para o guarda-roupas que carregava há anos um espelho na porta sem muito uso, ninguém ali tinha motivo já há algum tempo de se olhar e dançar na sua frente. Só que agora ela tinha. Esperou recatadamente por isso como sua avó tinha lhe ensinado. Ficava na janela florida, que tratava cuidadosamente todos os dias com água limpa, olhando o movimento, despreocupada com a preocupação de ser vista. Mas não podia ser qualquer visão, haveria de ser um encontro mágico, quem sabe um bonito moço de cabelos escuros.. Era o seu desejo. Dia-a-dia ela repetia a cantoria ao regar as flores, e tal ingenuidade encontrou sua resposta. Há sem dúvida o amor no ar, aquele que não precisa de muitas palavras, que um bom dia basta pra fazer o coração disparar e o próximo movimento ser anunciado. Depois de duas vezes os 7 dias da semana, ela sucumbiu ao convite de olhares e desceu pela escadaria. Ganhou não uma flor mas uma muda da flor mais querida pra plantar junto às suas. Exultou a educação e a intimidade que a distância proporcionara. Como ele havia percebido seu gosto se nunca sequer trocaram mais que quatro palavras? Porque era assim, ela corria pra ver ele chegar caminhando, e depois no final do dia, esperá-lo retornar. E ele não falhava. Nem ela.
Naquele momento em que recebeu a muda da flor soube que nada mais poderia dar errado, e sorriu uma luz que ofuscou o dia claro, diferente de hoje e que pouco importava.
Mesmo quando ele não veio o receio não lhe apertou a alma, ficou aguardando o que seria na certeza dos amantes. Foi quando o recado chegou. Uma cartinha singela dizendo te espero, venha como todos os dias te vejo, linda e leve. E agora estava na euforia do batom cor de boca e do esmalte transparente, vestindo sua reserva e calçando as sapatilhas de laço. Virou a quadra e o enxergou, de costas, de camisa clara, cumpridor do afeto que trocavam. Diminuiu o passo e foi ter com ele a primeira de eternas conversas de amor.

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Gosto de boniteza, de arrumação, da moda dos anos 30. De margaridas e pérolas verdadeiras. Gosto da noite, de gente dando risada, do colorido de um prato de feijoada. Gosto de sair e de mudar, gosto de família, de amigos e com eles estar. Gosto de dança e de criança, e gosto muito, muito do mar.