23/08/2007

memé

Memé era minha madrinha.

Bem, aqui vale um esclarecimento pra quem já leu "papagaio loro" porque lá também tenho uma madrinha, a Rosa. Só que em família católica é assim mesmo, você tem a madrinha de batismo, a de crisma e depois um monte de casamento.
Mas a Memé é a que puxa o bloco, a madrinha mais importante porque é aquela que te endossa pro mundo, a fiadora da tua boa vida, da tua devoção à Deus antes mesmo que você possa concordar. É a madrinha de batismo.
Eu sempre adorei que mamãe tenha me escolhido para entregar à Memé minha história. Fui batizada com 20 dias de vida e mesmo quando eu já era grandinha ela mantinha exatamente a aparência que as fotos desse dia a apresentavam. Uma gostosura de gente do bem, baixinha e gorduchinha.
Muito vaidosa sentava à frente da sua penteadeira de três espelhos todos os dias. Passava pó de arroz clarinho com aquela esponja de flanela amarrada com um laço, batom rosê que abria como se fosse um doce, e arrumava seus cabelos bem pretos com dois pentes de cinco pontas. Depois, corria as mãos de unhas sempre feitas atrás do perfume mais tradicional do seu tempo e de suas argolas de ouro, aí sim estava pronta para a casa. Mesmo católica como já anunciei, na companheira penteadeira, uma estatuazinha de uns 3 cm do Buda permanecia rodeado de moedas. Pensando nisso, me veio agora que se a Memé fosse homem até que podia ser o Buda, tanto fisicamente como espiritualmente..
Caminhava com dificuldade da sala para a cozinha e lá fazia belos almoços, suculentos como as boas Carmelas os fazem. Experimentava tudo e enxugava as mãos no avental que combinava com o vestido antes de lavar as colheres que tinham ido à boca. Ia do fogão para a pia um montão de vezes por conta disso. Usava uns chinelinhos chiquérrimos, ora de plumas ora de couro com furinhos em cima, e quando estava cansada sentava-se na sua poltrona azul, de costas para a porta de entrada que permanecia destrancada porque não tinha do que temer, cobria as pernas com um chale de lã e lá cochilava fazendo bico.
Todo mundo gostava da Memé porque ela era cheirosa e bondosa.
Em cima da sua cama coberta com colcha de chenil, guardava uma boneca de louça. Somente o privilégio de ser afilhada dava o direito de pegá-la no colo nas horas de visita, e mesmo assim, docemente a Memé pedia cuidado. Igual carinho tinha com o piano de madre pérola, uma caixinha de música que tocava uma valsa linda para que a bailarina de saia vermelha de veludo pudesse dançar. Um mimo da sua mãe e que só a Memé mesmo poderia ter herdado.

Já faz tempo que a Memé se foi. Eu tinha 22 anos. Recebi aquela notícia e fui ver a Memé pela última vez. Ela mantinha a doçura e a beleza de sempre. Vestidinha com todo o cuidado nas combinações, maquiadinha como todos os dias parecia até que já havia deixado tudo isso preparado. E ninguém se entristeceu além do que o momento pedia.
Hoje enquanto escrevo sobre ela surge uma saudade apertada. Um desejo de deixar bem claro meu sentimento. Sei que por mais que eu tente nunca conseguirei transmitir com tamanha fidelidade o que a Memé foi pra mim um dia, e certamente ainda é. Talvez mais importante agora que já sou dona das minhas próprias palavras do que em seu colo aos 20 dias de nascida.

Madrinha Memé, era assim que eu te chamava, o seu pianinho de madre pérola ainda tá lá na casa da mamãe pra quem quiser conhecer, tocando a mesma música que enchia nosso coração de amor. A Bia, o Pedro e a Julia já o conhecem e cuidam pra que ele continue formoso. Por você e pra você. Tenho saudades. Até sempre e um beijo da Cice.

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Gosto de boniteza, de arrumação, da moda dos anos 30. De margaridas e pérolas verdadeiras. Gosto da noite, de gente dando risada, do colorido de um prato de feijoada. Gosto de sair e de mudar, gosto de família, de amigos e com eles estar. Gosto de dança e de criança, e gosto muito, muito do mar.