31/12/2010

Caprino, menino e homem das decisões

Desde que nasceu decidiu ser forte. Capricorniano que era, cabeça dura do dia 30 de dezembro, e em registro 01 de janeiro pra ganhar 1 ano de liberdade militar, isso da cabeça mole de seu pai, ele sempre fora destemido. Irmão mais velho de 4, foi empurrado sempre para o trabalho e depois para os estudos, mas empurrado ele sabia tudo, e depois que amadureceu, sabia porque aprendia de verdade, mesmo quando dormia durante as aulas. Dançava. Dançava bem, dançava sempre. O figurado, nos bailes de madrugada e também no das moças sérias. Dançava nos casamentos, encantava, enamorava. Também cantava, vozerão, afinado e com ritmo arranhava as cordas que nunca lhe foram ensinadas. Sempre foi amigo, e sempre foi fiel a eles. Gostava de tê-los por perto. Trabalhava duro, cortava um dobrado, sempre correndo contra ou no favor da pobreza. Não tinha vergonha, colocava a mão na enchada e no cristal, limpava sapatos ou penicos, não tinha nojo nem medo, mas tinha um gênio dos diabos, autoritário e machista. Endurecia às cegas pra depois dar a vida, se preciso, em arrependimento. Mas mesmo assim era agregador, uma raridade, porque odiava mas amava também, e permitia que o ódio passasse,mas o amor não. Amava com a intensidade da verdade, dos amores entregues, sem perguntas. Um sábio, garantia na sua teimosia assustadora suas certezas e falava pouco, a não ser que estivesse numa reunião de amigos, onde sempre puxava as histórias mais hilariantes quando não eram vividas por quem ria delas. E eram sempre histórias verdadeiras, como nos filmes de Carlitos, que ele tanto adorava. A maior alegria embebida da tristeza profunda que não teve forças pra derrubar aqueles músculos fortes, e nem as gargalhadas dadas pelo canto da boca torta, consequência de um reflexo de ar que o atingiu quando criança.
Foi sempre assim, vivendo e decidindo, escolhendo e conseguindo, brigando e perdoando, unindo e ensinando. Decidiu a esposa e seu amor truculento e profundo por ela, o filho primogênito que levaria apenas o seu sobrenome, a filha mulher tão esperada depois de tantos homens na família toda, a raspa do tacho que veio esculpida em carrara, a sua fatcha. Decidiu ver seu pai falir em seus braços, sua mãe aos domingos aguardando com um presente guardado na caixa de sapatos. Decidiu perdoar seus irmãos a toda hora e a qualquer preço, e estar por perto deles que são a família, e família tem sempre que estar unida. Decidiu a viagem ao Ceará, o apartamento 21 pelo terraço de casa, a boa e farta mesa, sempre e pra todos. Decidiu a engenharia e ser o melhor nela. Decidiu lutar pelos filhos, ver a caçula tornar-se médica. Decidiu gostar dos genros, da nora, e orgulhar-se sem medida dos 7 netos, seus motivos de lágrimas fáceis depois de tanta dureza. Decidiu como sua última atitude, comprar a primeira bicicleta da última neta. Decidiu ver seu time campeão, seu país campeão, apesar de sentir-se um imigrante nele. Decidiu sua sorte, seus prazeres, a hora do fim. Foi-se antes dos 70, decidido que 69 era uma melhor lembrança, másculo que sempre fora, enaltecendo essa condição. Decidiu viver e não morrer em vida, e por isso morreu assim, vivendo, de repente, num susto, depois do trabalho, de conversar com os filhos, de passar horas lembrando sua cumplicidade de casal com sua esposa, agradecendo e despedindo-se de seus últimos amigos que fez lá na Penha. Forte como nasceu, intenso como viveu, em paz como queria. Deixou histórias, fotos e muita saudade. Seu coração deu a paradinha famosa de sua escola Padre Miguel, mas não voltou. Vida e morte num mesmo tom, afinadas por Paulinho da Viola, Luiz Vieira, Adoniran e Cartola. Uma bela melodia que será sempre murmurada por mim por todos os dias 30 de dezembro que ainda vierem por aí.
Pai, parabéns!

2 comentários:

Ana Paula Marques disse...

Cice, você me comove.

M.Tereza disse...

O nome combinava muito com o homem que ele era. Ele foi/é “Pedro”, e sobre essa “pedra” se edificou uma vida admirável e uma belíssima família – aqui estão você e suas palavras, Cice, que não me deixam mentir. Muito lindo o seu texto!


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Gosto de boniteza, de arrumação, da moda dos anos 30. De margaridas e pérolas verdadeiras. Gosto da noite, de gente dando risada, do colorido de um prato de feijoada. Gosto de sair e de mudar, gosto de família, de amigos e com eles estar. Gosto de dança e de criança, e gosto muito, muito do mar.