Desde que nasceu decidiu ser forte. Capricorniano que era, cabeça dura do dia 30 de dezembro, e em registro 01 de janeiro pra ganhar 1 ano de liberdade militar, isso da cabeça mole de seu pai, ele sempre fora destemido. Irmão mais velho de 4, foi empurrado sempre para o trabalho e depois para os estudos, mas empurrado ele sabia tudo, e depois que amadureceu, sabia porque aprendia de verdade, mesmo quando dormia durante as aulas. Dançava. Dançava bem, dançava sempre. O figurado, nos bailes de madrugada e também no das moças sérias. Dançava nos casamentos, encantava, enamorava. Também cantava, vozerão, afinado e com ritmo arranhava as cordas que nunca lhe foram ensinadas. Sempre foi amigo, e sempre foi fiel a eles. Gostava de tê-los por perto. Trabalhava duro, cortava um dobrado, sempre correndo contra ou no favor da pobreza. Não tinha vergonha, colocava a mão na enchada e no cristal, limpava sapatos ou penicos, não tinha nojo nem medo, mas tinha um gênio dos diabos, autoritário e machista. Endurecia às cegas pra depois dar a vida, se preciso, em arrependimento. Mas mesmo assim era agregador, uma raridade, porque odiava mas amava também, e permitia que o ódio passasse,mas o amor não. Amava com a intensidade da verdade, dos amores entregues, sem perguntas. Um sábio, garantia na sua teimosia assustadora suas certezas e falava pouco, a não ser que estivesse numa reunião de amigos, onde sempre puxava as histórias mais hilariantes quando não eram vividas por quem ria delas. E eram sempre histórias verdadeiras, como nos filmes de Carlitos, que ele tanto adorava. A maior alegria embebida da tristeza profunda que não teve forças pra derrubar aqueles músculos fortes, e nem as gargalhadas dadas pelo canto da boca torta, consequência de um reflexo de ar que o atingiu quando criança.
Foi sempre assim, vivendo e decidindo, escolhendo e conseguindo, brigando e perdoando, unindo e ensinando. Decidiu a esposa e seu amor truculento e profundo por ela, o filho primogênito que levaria apenas o seu sobrenome, a filha mulher tão esperada depois de tantos homens na família toda, a raspa do tacho que veio esculpida em carrara, a sua fatcha. Decidiu ver seu pai falir em seus braços, sua mãe aos domingos aguardando com um presente guardado na caixa de sapatos. Decidiu perdoar seus irmãos a toda hora e a qualquer preço, e estar por perto deles que são a família, e família tem sempre que estar unida. Decidiu a viagem ao Ceará, o apartamento 21 pelo terraço de casa, a boa e farta mesa, sempre e pra todos. Decidiu a engenharia e ser o melhor nela. Decidiu lutar pelos filhos, ver a caçula tornar-se médica. Decidiu gostar dos genros, da nora, e orgulhar-se sem medida dos 7 netos, seus motivos de lágrimas fáceis depois de tanta dureza. Decidiu como sua última atitude, comprar a primeira bicicleta da última neta. Decidiu ver seu time campeão, seu país campeão, apesar de sentir-se um imigrante nele. Decidiu sua sorte, seus prazeres, a hora do fim. Foi-se antes dos 70, decidido que 69 era uma melhor lembrança, másculo que sempre fora, enaltecendo essa condição. Decidiu viver e não morrer em vida, e por isso morreu assim, vivendo, de repente, num susto, depois do trabalho, de conversar com os filhos, de passar horas lembrando sua cumplicidade de casal com sua esposa, agradecendo e despedindo-se de seus últimos amigos que fez lá na Penha. Forte como nasceu, intenso como viveu, em paz como queria. Deixou histórias, fotos e muita saudade. Seu coração deu a paradinha famosa de sua escola Padre Miguel, mas não voltou. Vida e morte num mesmo tom, afinadas por Paulinho da Viola, Luiz Vieira, Adoniran e Cartola. Uma bela melodia que será sempre murmurada por mim por todos os dias 30 de dezembro que ainda vierem por aí.
Pai, parabéns!
Fruta como botão, pretinha, redonda. Alegria dos passarinhos da árvore da casa do Seu Lauro. Feito os olhos, os meus. Eu vejo conto e invento. Eu por aqui me apresento.
31/12/2010
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eu sou
- Cice Galoro
- Gosto de boniteza, de arrumação, da moda dos anos 30. De margaridas e pérolas verdadeiras. Gosto da noite, de gente dando risada, do colorido de um prato de feijoada. Gosto de sair e de mudar, gosto de família, de amigos e com eles estar. Gosto de dança e de criança, e gosto muito, muito do mar.
2 comentários:
Cice, você me comove.
O nome combinava muito com o homem que ele era. Ele foi/é “Pedro”, e sobre essa “pedra” se edificou uma vida admirável e uma belíssima família – aqui estão você e suas palavras, Cice, que não me deixam mentir. Muito lindo o seu texto!
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